Poisé, Pra quê?

“O mês da visibilidade da comunidade surda brasileira”, por Mari Recchia

"O mês da visibilidade surda brasileira", por Mari Recchia

Além de amarelo, setembro é azul. Este é o Mês da Visibilidade da Comunidade Surda Brasileira, e foi escolhido devido a algumas datas importantes: em 1880, de 6 a 11 de setembro, ocorreu o Congresso de Milão, realizado por uma maioria de pessoas ouvintes, em que se determinou a proibição do uso e do ensino de línguas de sinais, instaurando o oralismo como método único de educação de pessoas surdas; em 2008, foi oficializado que no dia 26 de setembro se comemora o Dia Nacional do Surdo e o aniversário de fundação da primeira escola para surdos, o INES, que surgiu em 1857; celebra-se, em outros dias, o profissional tradutor e intérprete e a escola bilíngue (Português e Libras).

Pra que tantas datas? A comunidade surda, por lutar por direito à educação e à língua materna, mexeu sempre em pontos muito sensíveis de quem está no poder e sabe o quanto esses dois elementos – educação e língua – são ferramentas importantes de domínio.

Aquele Congresso que citei antes concluiu que a oralização (a prática de ensinar a pessoa incapaz de ouvir a produzir sons da fala) era o único caminho pra educar uma pessoa surda (coisa já desmentida na época). Vilmar Silva, pesquisador da educação de surdos, nos dá motivos pra essa decisão. Um deles é que no período dos projetos nacionalistas, a unidade nacional exigia que o território falasse uma única língua, reduzindo todas as outras a dialetos, ou formas desprestigiadas de comunicação

O apagamento da língua de sinais também é parte de um projeto de normalização de corpos. Em uma sociedade capacitista, a não audição não é mera diferença física, mas elemento problemático, uma deficiência, a ser corrigida. Nessa lógica, a pessoa com deficiência é vista como alguém a ser assistido, curado ou até salvo. Mas se prestarmos atenção em como são projetados os espaços que frequentamos e em como as informações são transmitidas neles, fica fácil perceber que é o espaço, as condições e o outro que criam a falta, a deficiência, e não o indivíduo com uma diferença. A deficiência, a surdez, pode muito bem ser uma outra vivência sensorial, uma potência, se à pessoa forem oferecidas formas de aflorar, por meio da aquisição de uma língua e da educação acessível.

As escolas que respeitam e abraçam a cultura e a língua da pessoa surda e as línguas de sinais reconhecidas ao redor do mundo são símbolos daquilo já conquistado numa grande luta por autonomia, e por isso têm de ser lembradas. 

A história do Setembro Azul ou Setembro Surdo: lutas e conquistas da comunidade surda, UFMG. Disponível em: https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/a-historia-do-setembro-azul-ou-setembro-surdo/

SILVA, Vilmar. Educação de Surdos: Uma Releitura da Primeira Escola Pública para Surdos em Paris e do Congresso de Milão em 1880. In: Ronice Müller de Quadros. (Org.). Estudos Surdos I. 1ed.Petrópolis: Arara Azul, 2006, v. 1, p. 14-37. Disponível em: https://www.editora-arara-azul.com.br/ParteA.pdf

 

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